Um belo dia dos anos ' 90 ou '91, recebi uma carta ... sim, naquele tempo escrevíamos cartas, e esta era manuscrita - aliás com uma bela caligrafia , e dizia, resumindo :
- meu nome é Tadeusz, tenho 76 anos ; acabo de superar um infarto, e me prometi que se saísse desta eu voltaria fazer o que mais amava : esquiar na neve, algo profundamente ligado à minha infância na Polônia.
- teu nome foi sugerido por um amigo , para fazer isto acontecer com alegria e segurança.
É claro que fiquei encantado ... na batata, aquelas duas folhas de papel me fariam carregá-lo até o Everest - e descermos juntos, esquiando.
Assim, em um Agosto de algum Anos '90, esperei o Tadeusz no aeroporto de Bariloche ; e , claro, ficamos amigos de infância a bordo do meu Gol84 , a caminho de sua Hosteria - ele era , ao vivo, ainda muito mais interessante do que a sua carta bacana contava.
1º DIA
- busquei o Tadeusz bem cedinho ; fomos para a montanha provar equipamentos ; em seu último contato com a neve, os skis eram de madeira, as fixações eram tiras de couro ... e os novos equipamentos de resinas exóticas & fixações de segurança pareciam ficção científica para ele.
- subimos para as pistas ... cleck/cleck , e ...
- Holy Grace, o Tadeusz, 60 anos depois, seguia um baita esquiador.
- foi um dia incrível ... além de esquiar bem, o Tadeusz era um queridão ... e assim já ficou famoso em seu primeiro dia no Cerro Catedral.
2º DIA
- o Tadeusz já me esperava, raiar do dia, na frente da Hosteria, com uma jaqueta de couro vermelha e lenço ton-sur-ton no pescoço ...
... no café da manhã já tinha sido batizado pela galera como Barão Vermelho, e a coisa pegou - na montanha, logo virou o " Baráum ", em castelhanês.
- esquiamos por todo o dia, e ele já ia na frente, me ensinando e me corrigindo.
- o pessoal de serviço da montanha já o reconhecia e respeitava, com abanicos e saudações : " Dale Baráum " !
- no almoço, o Tadeusz me contou sua história - as montanhas, as competições de ski nos anos 40, a invasão dos nazistas ... a fuga desesperada por meses junto com um amigo ... a chegada em Portugal ; um navio para sua vinda ao Brasil , e outro para a Argentina, levando seu companheiro ; as muitas lutas ; a formação da família ...
- jamais esquecerei deste momento.
- nevou a noite inteira, eu sabia que amanhã seria um dia supimpa.
3º DIA
- fui buscar o Tadeusz - e ele já havia saído caminhando da Hosteria rumo ao Cerro Catedral, para aquecer ... o dia estava esplêndido, a neve dry-powder, tudo prometia muitas horas de alegria.
- deu certo, foi um dos melhores dias de ski da minha vida.
- fim da tarde, subimos para o cume ... ver o sol se por, e , em seguida, descer toda a montanha, sem escalas - o Tadeusz na frente, por supuesto.
- foi um espetáculo ... ele descia muito rápido ; curvas longas ... só nós, a mil, eu me sentia dentro dos filmes que eu via todos os dias.
- chegamos na base, nos abraçamos muito, chorávamos os dois ...
- tiramos os skis , e começamos a caminhar.
O Encontro
- enquanto caminhávamos com os equipamentos, notei que o Tadeusz olhava , com insistência, para um determinado lado ...
- vi o alvo : um velho senhor, atlético ; com um uniforme antigo de instrutor da Escola de Ski Catedral... que caminhava carregando seu equipamento a us 20 metros de nós.
- de repente, o Tadeusz larga tudo no chão e sai correndo em direção a este homem.
... era o seu amigo, aquele das disputas na montanha e na fuga da Polônia.
Os Finalmentes
- Os brothers seguiram juntos, felizes - e skiers até o final.
- O Tadeusz melhorou o meu ski, e me reforçou como poucos a fé em algumas coisas essenciais.
- Entre elas, a numero 1 - o Bem , mesmo que demore pacas, sempre vence.
Aloha do beto valle
Imagem: Holocausto | Fonte: El País