Neve & Holocausto

19 de setembro de 2018
Neve & Holocausto
Um belo dia dos anos  ' 90 ou  '91,  recebi uma carta ...  sim, naquele tempo escrevíamos cartas,  e esta era manuscrita  -  aliás com uma bela caligrafia , e dizia, resumindo  :
-  meu nome é Tadeusz,  tenho 76 anos  ;   acabo de superar um infarto,  e me prometi que se saísse desta eu voltaria fazer o que mais amava :  esquiar na neve, algo profundamente ligado à minha infância na Polônia.
-  teu nome foi sugerido por um amigo ,  para fazer isto acontecer com alegria e segurança.
É claro que fiquei encantado ...  na batata,  aquelas duas folhas de papel me fariam carregá-lo até o Everest  -  e descermos juntos,  esquiando.
Assim, em um Agosto de algum Anos '90,  esperei o Tadeusz no aeroporto de Bariloche  ;   e , claro, ficamos amigos de infância a bordo do meu Gol84 ,  a caminho de sua Hosteria   -   ele era , ao vivo,  ainda muito mais interessante do que a sua carta bacana contava.
1º DIA
-  busquei o Tadeusz bem cedinho  ;   fomos para a montanha provar equipamentos ;  em seu último contato com a neve, os skis eram de madeira,  as fixações eram tiras de couro ...    e os novos equipamentos de resinas exóticas &  fixações de segurança pareciam ficção científica para ele.
-  subimos para as pistas ...    cleck/cleck ,  e ...
-  Holy Grace, o Tadeusz,  60 anos depois,  seguia um baita esquiador.
-  foi um dia incrível ...  além de esquiar bem, o Tadeusz era um queridão ... e assim já ficou famoso em seu primeiro dia no Cerro Catedral.
2º DIA
-  o Tadeusz já me esperava,  raiar do dia, na frente da Hosteria,  com uma jaqueta de couro vermelha e lenço ton-sur-ton no pescoço ...
   ...  no café da manhã  já tinha sido batizado pela galera como Barão Vermelho,  e a coisa pegou  -  na montanha, logo virou o " Baráum ",   em castelhanês.
- esquiamos por todo o dia, e ele já ia na frente, me ensinando e me corrigindo.
- o pessoal de serviço da montanha já o reconhecia e respeitava, com abanicos e saudações   :   "   Dale Baráum   "     !
- no almoço, o Tadeusz me contou sua história  -  as montanhas, as competições de ski nos anos 40,  a invasão dos nazistas ...  a fuga desesperada por meses junto com um amigo ... a chegada em Portugal  ;   um navio para sua vinda ao Brasil  , e outro para a Argentina, levando seu companheiro  ;   as muitas lutas  ;   a formação da família ...
- jamais esquecerei deste momento.
- nevou a noite inteira,  eu sabia que amanhã seria um dia supimpa.
3º DIA
-  fui buscar o Tadeusz   -   e ele já havia saído caminhando da Hosteria rumo ao Cerro Catedral,  para aquecer  ...  o dia estava esplêndido, a neve dry-powder,  tudo prometia muitas horas de alegria.
-  deu certo,  foi um dos melhores dias de ski da minha vida.
-  fim da tarde,  subimos para o cume ...   ver o sol se por,  e , em seguida,  descer toda a montanha, sem escalas  -  o Tadeusz na frente,  por supuesto.
-  foi um espetáculo ...  ele descia muito rápido   ;    curvas longas  ...   só nós,  a mil,  eu me sentia dentro dos filmes que eu via todos os dias.
- chegamos na base, nos abraçamos muito, chorávamos os dois ...
-  tiramos os skis , e começamos a caminhar.
O Encontro
- enquanto caminhávamos com os equipamentos, notei que o Tadeusz olhava , com insistência,  para um determinado lado  ...
- vi o alvo  :  um velho senhor,  atlético   ;   com um uniforme antigo de instrutor da Escola de Ski Catedral...   que caminhava carregando seu equipamento a us 20 metros de nós.
- de repente,  o Tadeusz larga tudo no chão e sai correndo em direção a este homem.
  ...   era o seu amigo,  aquele das disputas na montanha e na fuga da Polônia.
Os Finalmentes
- Os brothers seguiram juntos,  felizes -   e skiers até o final.
-  O Tadeusz melhorou o meu ski,  e me reforçou como poucos a fé em algumas coisas essenciais.
-  Entre elas,  a numero 1   -    o Bem ,  mesmo que demore pacas,  sempre vence.
Aloha do beto valle
Imagem: Holocausto | Fonte: El País