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Gastronomia

Gastronomia em Lyon: Para comer com os olhos

Explore o sabor único de Lyon, a capital da gastronomia francesa, e mergulhe no legado de Paul Bocuse, o chef que transformou a alta cozinha mundial.

Nascido em Lyon, cidade dos Alpes franceses conhecida como a capital mundial da gastronomia, Paul Bocuse revolucionou a alta cozinha ao valorizar ingredientes regionais em suas receitas. Conheça a história da culinária lionesa, referência na França há mais de dois séculos, e saiba por que Bocuse é o chef dos chefs

Não é de hoje que Lyon conquista viajantes pelo paladar. A fama vem desde o século XIX, quando os transportes facilitaram as viagens e os guias turísticos ganharam espaço no mercado editorial, com artigos elogiosos aos restaurantes da região alpina. Mas o principal responsável por elevar o respeito internacional à culinária lionesa até o ponto da reverência foi Paul Bocuse, herdeiro de duas famílias atuantes na gastronomia local desde o século XVIII.

Bocuse morreu em 2018, aos 91 anos, em Lyon, cidade onde nasceu. Aclamado pela crítica especializada como o “chef do século”, foi um dos principais expoentes da nouvelle cuisine (nova gastronomia, em tradução livre), que mudou a história da alta cozinha por realçar o sabor natural dos alimentos e caprichar na apresentação dos pratos. São receitas para “comer com os olhos”, valorizando ingredientes frescos e da época, tônica do que hoje se chama cozinha contemporânea.

“Paul Bocuse falou da cuisine du marché - cozinha do mercado, em tradução livre - e da cozinha regional quando todos só falavam de cozinha internacional. Ele foi à mídia e gritou isso sem cansar”, destaca o também francês Laurent Suaudeau, que tem sua própria escola de gastronomia em São Paulo, mas iniciou a carreira, ainda na França, guiado por Bocuse.
Laurent Suaudeau - Chef de cozinha
Laurent Suaudeau - Chef de cozinha (Divulgação/Laurent Suaudeau)
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soup aux truffes patrick rougereau
(Divulgação/L'Auberge du Pont Collognes)
loup en croute 4
(Divulgação/L'Auberge du Pont Collognes)

Arte no prato

Nos anos 1980 grandes chefs estrangeiros abriram casas no Rio de Janeiro e em São Paulo. Um deles foi Paul Bocuse, que fundou o Le Saint-Honoré, no hotel Le Méridien, em Copacabana, com Laurent Suaudeau, então com somente 23 anos, no comando da cozinha. “Foi ele que me escolheu para a equipe que viria ao Brasil. A princípio, seria por seis meses; agora já são 40 anos!”, diverte-se o chef.

À frente do já extinto Le Saint-Honoré, o aluno seguiu “voo próprio”, como ele diz, mas sempre apoiado e aconselhado pelo mestre. “Bocuse era muito mais do que um chef. Estava sempre próximo de seus fornecedores. Era um homem visionário, vivia com uma máquina fotográfica na mão quando ainda não existia celular com câmera”, conta.

Suaudeau ressalta que Bocuse usava a máquina para registrar o dia-a-dia dentro e fora da cozinha, mas que o gosto por fotografia pode estar por trás da obsessão de Bocuse pela plasticidade dos pratos — muito antes do Instagram. Investir numa apresentação apetitosa é mandamento inquestionável para qualquer chef que almeje destaque nos dias de hoje. O chef brasileiro Luiz Filipe de Souza, que comanda o restaurante italiano Evvai, em São Paulo, nota: “Foi Paul Bocuse quem difundiu o modo como servimos o prato, mas ele foi ainda maior fora da cozinha, tendo sido o grande responsável pela valorização do trabalho do cozinheiro”.

Souza foi um dos 24 finalistas do Bocuse d´Or 2019, um dos mais disputados concursos de gastronomia do mundo. Mesmo comandando um restaurante italiano, ele percebe a influência de Bocuse no seu modo de servir. “A forma como pensamos o empratamento ainda é um pilar trazido da nouvelle cuisine, que transcendeu qualquer nacionalidade. Diversas técnicas que aprendi durante o Bocuse d´Or vão e vêm entre os menus do Evvai”, observa o jovem chef, de 29 anos.

Luiz Filipe de Souza - Chef de cozinha (Foto: Tadeu Brunelli)
Luiz Filipe de Souza - Chef de cozinha (Foto: Tadeu Brunelli)
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Volaille de Bresse cuite en vessie
(Divulgação/L'Auberge du Pont de Collognes)

Sabor de casa

O apreço pelo tempero regional na cozinha lionesa fez história muito antes do nascimento de Bocuse. As primeiras cozinheiras de Lyon, chamadas de mères (mães), mantinham pequenos restaurantes com típico sabor caseiro. Mère Guy, que já em 1759 preparava um ensopado de enguia muito comentado, ficou marcada na história regional. A fama se estendeu quando, no século seguinte, a neta de Guy recebeu a imperatriz Eugênia de Montijo, esposa do imperador Napoleão III, no restaurante reformado da avó.

Algumas “mães” foram dignas de estrela, como Mère Fillious, que em finais do século XIX servia uma deliciosa ave trufada, e sua aluna Eugénie Brazier, que veio a receber duas vezes três estrelas no Guia Michelin, principal reconhecimento da crítica gastronômica francesa. As mères mantiveram as melhores mesas de Lyon até por volta dos anos 1960, quando começaram a dividir a cena com grandes restaurantes. Dos pioneiros, o Brasserie Georges, fundado em 1836, é hoje o mais antigo ainda em atividade.

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Banquete presidencial

Uma das principais invenções de Paul Bocuse foi preparada pela primeira vez em 1975, durante um jantar na residência oficial do presidente francês Valéry Giscard d’Estaing, em Paris, quando Bocuse foi homenageado como comendador da Legião da Honra. A receita leva caldo de carne, trufas negras, vinho branco, foie gras, cenoura, cebola, salsão, carne cortada em pedaços finíssimos, pitadas de sal marinho e pimenta-do-reino. O toque final é uma crosta de massa folhada que preserva o calor e os aromas. O prato foi batizado de soupe aux truffes VGE, sopa de trufas VGE, em referência às iniciais do ex-presidente.

A sopa é servida até hoje em Lyon, em restaurantes como o L’Auberge du Pont de Collonges, o mais tradicional do grupo Paul Bocuse. “O restaurante não perdeu o brilho após a morte do chef. Há uma equipe muito competente e comprometida dando impulso ao legado que ele deixou”, pontua Laurent Suaudeau, que esteve em Lyon em novembro de 2019.

Institut Paul Bocuse
Institut Paul Bocuse (Divulgação/Institut Paul Bocuse)
Institut Paul Bocuse
Institut Paul Bocuse (Divulgação/Institut Paul Bocuse)

Legado preservado

Lyon também é sede do Instituto Paul Bocuse de Gastronomia, que atrai estudantes das mais diversas nacionalidades. O instituto tem duas escolas, uma no centro de Lyon e a outra na cidade vizinha de Écully. Pode-se reservar mesas nos restaurantes da escola, onde os alunos preparam os pratos seguindo os ensinamentos do maior dos chefs lioneses.

Uma das discípulas bocusianas atualmente mais notáveis em Lyon é brasileira. Natural do Rio de Janeiro, Tabata Mey já era conhecida por servir bufês de alto nível à elite lionesa, até ser descoberta por Christophe Muller, chef executivo do grupo Paul Bocuse que a levou para a cozinha do Collonges com o intento de prepará-la para concorrer ao Meilleur Ouvrier de France (prêmio conferido em várias categorias de trabalho manual). Tabata chegou até a semifinal. Meses depois, foi escolhida pelo próprio Bocuse para comandar seu novo restaurante, o Marguerite, em 2013. Foi a primeira mulher a chefiar uma cozinha de Bocuse. Hoje, ela comanda sua própria cozinha em Lyon, ao lado do marido, Ludovic Mey, no restaurante Les Apothicaires. A veneração a Paul Bocuse é tamanha que Tabata tatuou a assinatura do chef no punho direito.

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Cozinhe como um chef

Um dos principais ensinamentos de Paul Bocuse foi sintetizado pelo guia Gault et Millau, publicação especializada na nouvelle cousine, em uma frase: “Evitar complicações inúteis e descobrir a estética da simplicidade”. Confira outros segredos do chef para servir bem.

  • Praticar a “cozinha do mercado”, ou seja, comprar produtos frescos, valorizando os ingredientes da época.
  • Retornar à gastronomia regional: favorecer e preservar as receitas locais.
  • Evitar molhos muito ricos e densos, que mais servem para maquiar ingredientes de baixa qualidade.
  • Abandonar as marinadas e, principalmente, o faisandé (passado do ponto).
  • Reduzir o tempo de cocção para mariscos, pescados, aves e também para legumes verdes.
  • Cozinhar a vapor.
  • Buscar uma cozinha dietética e saudável.

Giro gastronômico em Lyon

L’Auberge du Pont de Collonges

(Divulgação/L'Auberge du Pont de Collonges)

O restaurante mais tradicional da rede de Bocuse se mantém há 40 anos com três estrelas Michelin.
As mesas são concorridas, é preciso reservar lugar com dois meses de antecedência, e o preço gira em torno de 200 euros por pessoa.
40 Rue de la Plage, 69660
Collonges-au-Mont-d'Or

Instituto Paul Bocuse

(Divulgação/Institut Paul Bocuse)

Na escola de gastronomia que atrai estudantes das mais diversas nacionalidades, há três restaurantes em que os alunos preparam o menu. O instituto tem duas sedes, uma no centro de Lyon e a outra na cidade vizinha Écully, a cerca de 10 km de Lyon.
L’Institut Restaurant
20 Place Bellecour, 69002 Lyon
Saisons Restaurant
Expérience Restaurant
1A Chemin de Calabert, 69130 écully

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Marguerite

Instalado em uma mansão do início do século XX que pertenceu a Auguste Lumière, um dos irmãos criadores do cinema, serve pratos executivos no almoço, degustações de doces e salgados com harmonizações de bebidas à tarde, e cozinha requintada à noite. Uma refeição custa cerca de 30 euros. Quando fundado, foi chefiado pela brasileira Tabata Mey, a convite de Bocuse.
57 Avenue des Frères Lumière, 69008 Monplaisir

Brasserie Georges

(Divulgação/Brasserie Georges)

Fundado em 1836, é hoje o mais antigo restaurante da cidade. Serve pratos típicos, incluindo a famosa salsicha de Lyon com pistache. Também fabrica sua própria cerveja, uma tradição desde a fundação do restaurante. O menu oferece opções a partir de 20 euros.
30 Cours de Verdun, 69002 Perrache

Brasseries Paul Bocuse

As brasseries são um clássico de Lyon, com pratos simples e ambientes despojados. A rede Paul Bocuse tem uma em cada canto da cidade, literalmente: Le Nord, Le Sud, L'Est, L'Ouest. Em todos eles, aos domingos, o menu do chef é servido a 32,90 euros.
Le Nord
18 Rue Neuve, 69002 Lyon
Le Sud
11 Place Antonin Poncet, 69002 Lyon
L’Ouest
1 Quai du Commerce, 69009 Lyon
L’Est
14 Place Jules Ferry, 69006 Lyon

Les Apothicaires

(Divulgação/Les Apothicaires)

Chefiado a quatro mãos pela brasileira Tabata Mey, discípula de Bocuse, e o marido francês, Ludovic Mey, o menu do almoço no Les Apothicares muda toda quarta-feira, conforme os ingredientes de cada época. Já o jantar é revisado todo mês. O valor aproximado é de 70 euros.
23 Rue de Sèze, 69006 Lyon

Esse conteúdo faz parte da Revista do Point da Neve – Edição 6
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